As grandes crises derrubam mercados, deixam vítimas e separam os amadores dos grandes líderes. Do mesmo jeito que elas podem arrasar quem está no caminho, podem erguer quem está preparado. Sobrevive e lidera de verdade quem é capaz de renunciar a convicções e paixões políticas em prol do melhor resultado possível. É a busca pelo pragmatismo, uma palavra às vezes tida como dura, desapaixonada, impessoal. Mas que, nas crises e na vida, se impõe como melhor tratamento para solucionar problemas bem maiores do que nós mesmos.
Veja o exemplo dos EUA. Há apenas um mês, Donald Trump chamava a COVID-19 de “vírus chinês” e provocava a ira de Pequim ao alimentar teorias da conspiração que versam sobre uma suposta ação orquestrada da China, que estaria usando a crise global do novo coronavírus para lucrar nos mercados internacionais e ganhar posições-chave no tabuleiro geopolítico.
Não que Trump tenha abandonado por completo suas convicções. Mas, pressionado pela rapidez com que a pandemia ganha força nos EUA, com milhares de novos casos diários de contaminados e dezenas de corpos empilhados em caminhões-frigoríficos em Nova York, o líder norte-americano foi obrigado a ceder.
No lugar da contumaz beligerância no Twitter, com acusações diárias contra Pequim, entrou o pragmatismo dos telefonemas privados no Salão Oval da Casa Branca. Em meio ao crescente número de mortes e a incapacidade dos estados lidarem sozinhos com a pandemia, Trump buscou se aconselhar com quem primeiro teve contato com o vírus: os chineses.
Ainda no fim de março, após os EUA terem se tornado o epicentro do coronavírus no mundo, Trump telefonou para Xi Jinping e acertou uma parceria com a China para enfrentamento conjunto à pandemia. Não só. Após a ligação, o presidente norte-americano foi ao Twitter e teceu um rosário de elogios ao líder chinês, a quem disse ter “muito respeito”.
Não foram só palavras. Trump também endureceu ações de enfrentamento ao vírus, adotando medidas consideradas radicais para um líder que apenas algumas semanas atrás havia posto sob dúvida a real letalidade do novo coronavírus. Difícil manter essa postura diante de imagens de corpos sendo levados por empilhadeiras e locais icônicos para os norte-americanos, como o Central Park, sendo transformados em hospitais de campanha.
A realidade se impôs a Trump, que foi obrigado a agir. Num intervalo de dias, determinou o fechamento de escolas, comércios e recomendou que a população fizesse o isolamento social, medida que ele considerava ineficiente no início da crise.
Enquanto isso, sem alarde, incentivou que seus diplomatas em Washington buscassem formas de atenuar a ruidosa relação com Pequim. O objetivo é apenas um: garantir que os EUA tenham uma boa relação com o país que concentra 90% da produção mundial de luvas, máscaras e aventais médicos (EPIs) e que fabrica um quinto dos respiradores mecânicos produzidos no mundo.
É a “diplomacia das máscaras”, termo que vem ganhando força em um contexto comercial em que um país ter dinheiro para encomendar tais produtos não lhe garante a entrega pelo fornecedor. Um exemplo foi a compra frustrada de 600 respiradores encomendados da China pelos governos da Bahia e do Ceará. Após ter negociado pagar R$ 42 milhões pelos equipamentos médicos, o fornecedor chinês alegou que os respiradores ficaram retidos no aeroporto de Miami – e que de lá não sairiam para o Brasil. A Embaixada dos EUA negou que tenha ficado com os equipamentos, mas a suspeita que prevaleceu foi que, diante da alta procura pelos itens, prevaleceu a melhor negociação. Ou seja, quem pagar mais, leva.
É o sinal dos tempos que vivemos, em que ter convicções e ideologias políticas não garante a sobrevivência de cidadãos – e até mesmo de governantes, visto que políticos de todo o mundo têm sido infectados pelo novo coronavírus, sendo o caso mais relevante o do primeiro-ministro inglês Boris Johnson, que esta semana foi internado na UTI.
Em tempos de guerra, vale a máxima de manter-se coerente aos resultados, ainda que isso signifique abandonar convicções e paixões políticas. É como bem sintetizou o primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill, para quem o conjunto das intenções não é suficiente, e sim o seu resultado. “Não adianta dizer: ‘Estamos fazendo o melhor que podemos’. Temos que conseguir o que quer que seja necessário (para atingir nosso objetivo).”
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