A demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde e a sua substituição pelo médico oncologista Nelson Teich faz o Brasil entrar em etapa decisiva no enfrentamento ao coronavírus. Com a troca, é esperada uma guinada na condução das ações do Ministério da Saúde e uma maior pressão do governo federal para que governadores e prefeitos revejam as medidas de isolamento social.
O fim das políticas de restrição à circulação de pessoas, no entanto, é uma aposta de risco do governo Bolsonaro. Se bem-sucedida, a retomada de atividades como o comércio e as aulas escolares pode encurtar o caminho para a tão esperada recuperação econômica, poupando milhões de empregos e pavimentando o caminho para uma fácil reeleição de Bolsonaro em 2022. Já o fracasso dessas medidas pode levar o país a sofrer um colapso do sistema hospitalar e funerário, fazendo com que tenhamos que nos acostumar a cenas lamentáveis como as imagens de corpos de vítimas da covid-19 dividindo espaço com pacientes em corredores de um hospital público de Manaus.
Assim como em Nova York, para resolver o problema, a Secretaria de Segurança amazonense teve de providenciar contêineres frigoríficos para armazenar os corpos das vítimas do coronavírus e liberar espaço nos corredores para abrigar doentes que ainda lutam contra a doença.
Em se tratando de política, ser associado a mortes e desastres é péssimo para a imagem de qualquer candidato à reeleição. Bolsonaro sabe disso, mas fez um cálculo político. Assim, ao decidir trocar o comando do Ministério da Saúde na fase mais decisiva para o enfrentamento do vírus, o presidente decidiu chamar para si a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso das ações governamentais. E fez justamente em um momento em que o Brasil já começava a colher frutos do achatamento da curva de contaminação do coronavírus, política defendida pelo então ministro Luiz Henrique Mandetta.
Entre o fim de fevereiro e início de março, quando o país ainda registrava casos apenas importados de contaminação – ou seja, de pessoas que tiveram contato com o vírus fora do Brasil –, o número de pessoas infectadas pela covid-19 dobrava a cada três, quatro dias. Embora em menor número, a velocidade de transmissão colocava o Brasil na mesma trajetória de contaminação de países como Itália e Estados Unidos.
O que freou o contágio foi a ação rápida de governadores, que decidiram suspender aulas, fechar comércios e limitar a circulação de pessoas. Concorde-se ou não com essas medidas, é preciso reconhecer que elas deram resultado. Hoje, a curva de contaminação desacelerou para a metade do que vínhamos registrando no início da crise. Ainda assim, o número de casos confirmados de covid-19 tem dobrado a cada sete, oito dias. Já são 40.581 mil contaminados e 2.575 mil mortes espalhadas pelos 26 estados e o Distrito Federal – números que fazem do Brasil o país com mais casos de covid-19 na América Latina.
Isso quer dizer que, mesmo que queira liberar geral, o novo ministro da Saúde (que, no passado, publicou artigos defendendo o isolamento horizontal e elogiando o agora demitido Mandetta) não encontrará espaço para uma radicalização nas políticas de enfrentamento à pandemia. Discreto, o ministro já foi aconselhado pela ala militar a tomar conhecimento do Ministério primeiro e, por enquanto, não assumir qualquer postura de enfrentamento aos governadores, papel que continuará cabendo a Bolsonaro.
Ao ministro, caberá, nas próximas duas semanas, coordenar a formulação de cenários para a saída organizada e gradual do isolamento, atuando em parceria com o Ministério da Defesa, que tem levantado os números de leitos, de equipamentos médicos e até a capacidade funerária em cada estado. Esse levantamento servirá para que o governo federal, assim como fez os Estados Unidos de Donald Trump, anuncie nas próximas semanas um planejamento nacional para a saída gradual do isolamento social.
O exemplo vem justamente dos EUA, país que se tornou o epicentro da pandemia global, com 4,6 mil mortes em apenas 24 horas (superando todos os casos da China, por exemplo). Ao registrar tais números, porém, os EUA podem ter alcançado o que especialistas acreditam ser o pico da transmissão. O próximo passo esperado, portanto, é uma queda na velocidade de transmissão, o que abre espaço para uma reabertura gradual de comércios e serviços.
O plano norte-americano é testar em massa a população para descobrir quem já adquiriu imunidade contra o vírus e começar a liberar as atividades em cidades que registrarem queda no nos contágios. Vão começar com alguns setores não essenciais e verificar se a maior circulação de pessoas levará ou não a uma nova onda de contágio. Havendo queda nos casos, abre-se a porta para mais setores não essenciais. Assim por diante, até a economia ser aberta por completo – o que deve acontecer, pelo planejamento, para meados de agosto e setembro.
No Brasil, ainda que haja intensão de uma saída agora, esse ainda parece um cenário distante. Uma vez que a curva de transmissão achatou justamente por causa de eficácia do isolamento social, especialistas acreditam que possamos ter adiado o pico da crise, que agora deve vir entre maio e junho.
O tempo extra serviu para que o país se preparasse melhor para os tempos que virão, ampliando leitos, treinando equipes e garantindo que nenhum paciente tenha que ser abandonado à própria sorte, como ocorreu em países europeus. Isso significa que, mesmo que o novo ministro tenha ordens de agir, ignorar os fatos e abrir a economia de uma só vez, neste momento, pode ser fatal. Da mesma forma, postergar o planejamento de como fazer essa transição pode também custar milhões de empregos e vidas.
A chave para o sucesso do enfrentamento à pandemia é o timing para tomar as decisões corretas. E o tempo está correndo. Tic, tac.
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